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Revolta e Reforma
“Lula, cadê você? O Sergio Moro vai te prender”.
As manifestações de domingo dia 16 de agosto, em caráter nacional, deveriam nos induzir a refletir seriamente sobre a legitimidade da democracia que vivemos no Brasil. Parece que, finalmente, estamos tomando consciência de que o autoritarismo é o maior inimigo do progresso social. Entre os coros de gente revoltada, o que mais me chamou a atenção foi o dístico espalhado na Avenida Paulista: “Lula, cadê você? O Sergio Moro vai te prender”.
E isso porque a imaginação popular apresenta as duas pessoas reais como personagens de uma história ficcional de tema policial: o ex-presidente Lula é o bandido que assalta os cofres públicos, perseguido pelo herói justiceiro, o juiz Sergio Moro. A queda de um mito (Lula, o benfeitor dos pobres) faz surgir outro mito (Moro, o vingador da sociedade fraudada).
A verdade é que, diferentemente do lendário Robin Hood, que roubava dos ricos para ajudar os pobres, nosso ex-presidente ajudou os ricos (banqueiros, empreiteiros, lobistas, burocratas) a ficarem mais ricos, prejudicando a classe trabalhadora, especialmente a camada mais pobre da sociedade, pelo uso criminoso do dinheiro do erário público. O governo petista já gastou e continua gastando dezenas de bilhões de reais para promover eventos caríssimos e desnecessários, como a Copa do mundo de futebol e as Olimpíadas no Rio de Janeiro.
Se a democracia, como o nome indica, é o governo do povo, por que o Estado não indagou se a população brasileira preferia gastar o dinheiro de nossos impostos na construção de campos de futebol e de piscinas olímpicas, em lugar de escolas e postos de saúde? Com certeza, não teria havido sequer um cidadão pobre a optar pela primeira alternativa! O arbítrio de Lula foi mais evidente ainda na indicação da candidata Dilma à sua sucessão na Presidência da República e a imposição da candidatura do petista Haddad a prefeito da maior cidade do Brasil. Diferentemente, em todas as nações de regime democrático de verdade, a indicação de candidatos a cargos eletivos não é feita pelos chefões do partido, mas pela consulta às bases, mediante eleições prévias.
Os abusos de autoridade apontados não são apenas de Lula ou Dilma, mas vêm de longe, fazendo parte da nossa tradição política. Sendo sistêmicos, pouco adiante trocar um presidente por outro. Precisamos de uma reforma constitucional que garanta, ao mesmo tempo, governabilidade e alternância no poder. O modelo de governo a ser implantado deveria ser o atualmente adotado pelas melhores democracias europeias e de cultura escandinava ou anglo-saxônica: bipartidarismo com parlamentarismo, voto distrital, candidatos escolhidos pelas bases partidárias (eleições primárias), campanha eleitoral financiada exclusivamente com dinheiro público.
Antes de uma reforma política para valer, qualquer tipo de eleição é suspeito pelo abuso do poder econômico, pois se compram os votos da maioria necessitada e desinformada. Cabe aos brasileiros que têm consciência cívica iniciar uma campanha pública para exigir tal reforma com urgência, ameaçando a desobediência civil pela abstenção de votar em qualquer político filiado aos atuais partidos. Como costumo dizer, na atual conjuntura não existe político inocente e honesto, pois, quem não é pessoalmente corrupto, é conivente ou omisso.
Salvatore D' Onofrio
Dr. pela USP e Professor Titular pela UNESP. Autor do Dicionário de Cultura Básica (Publit), Literatura Ocidental e Forma e Sentido do Texto Literário (Ática) e Pensar é preciso e Pesquisando (Editorama)