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Uma certa tristeza no Natal

Artigo escrito pelo psicanalista e sociólogo, Luciano Alvarenga

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As pessoas são tomadas por uma certa tristeza na época de natal. É quando cheiros, luzes e cores as fazem lembrar de um tempo onde as coisas pareciam ser verdadeiras.

Acredito que o que se esconde por debaixo dessa tristeza, é saudade, de uma verdade que está aquém das lembranças que temos de nossa infância. Trata-se a dos fundamentos da sociedade ocidental.

A cultura ocidental está assentada num conjunto de valores e princípios que alicerçam tudo o que somos como sociedade. Ainda que tenhamos nos tornado uma sociedade moderna, urbana e cosmopolita; e por mais que estejamos adaptados a essa sociedade e, nos pareça impossível viver em outra; nossa tristeza, nessa época do ano, chama a atenção pra uma outra realidade.

Existe uma memória afetiva profunda e esquecida, no mais profundo do nosso inconsciente. Essa memória, ainda que fragmentada, é o registro de todos os tempos, de todas as épocas e experiências, experimentadas por nós com nossos iguais e, que forma o que somos como sociedade.

Essa antiga memória não é urbana, é rural; não é coletiva, é tribal; não é física, é espiritual; não é visual, é oral; e mais que tudo, ela não é individual, é familiar. É disso que temos saudade, ainda que não saibamos dizer.

Os valores e princípios que cortaram os séculos, que guiaram os grupos, as famílias e as escolhas individuais, se deram naquele registro da vida: na zona rural, em família, num profundo sentimento espiritual. Isso permanece em nós e, por isso ficamos chorosos e sentimentais nessa época.

O natal é o marco fundamental de consolidação dos alicerces da nossa sociedade. Marca a presença física, biográfica daquele ser divino que entra na história humana e, se faz humano, para alterar o destino do homem em sua relação com o seu Deus.

A força simbólica e antropológica disso, está registrado no fato do Ocidente marcar seu tempo cronológico em antes e depois de Cristo. Não se consegue escapar das memórias de raízes tão profundas, menos ainda negá-las, como se elas nada significassem.

Sua tristeza dialoga em algum medida e grau, com tudo isso.

Somos herdeiros daquele passado; somos o que somos por que aquele passado existiu e, ainda nos diz como devemos existir. Mais que isso, aquele passado nos cobra sobre como estamos vivendo aqueles princípios e valores fundados na cultura judaico-cristã.

Ainda que não saibamos, a tradição é a lembrança permanente daquilo que os mortos e, as gerações passadas deixaram como valor. Quando revivemos o passado por meio da tradição, seja do natal, da páscoa ou outra desse tipo; o que estamos afirmando é nossa concordância com os valores que essas tradições trazem em seu bojo.

Nossa tristeza de fim de ano está diretamente ligada ao fato de que temos vivido nossa vida como se não houvesse um nascimento fundador da cultura Ocidental; nossa tristeza está relacionada ao fato de termos escolhido viver nossa individualidade como uma escolha egoísta que nega a morte do Cristo e, o que ela significa. Sabemos em algum nível da nossa consciência, que somos parte de um legado, de uma cultura, e que temos um compromisso com ela.

Aceitar isso é resgatar o sentido do existir, com toda a plenitude que pode haver em viver em consonância com a cultura da qual fazemos parte.

Luciano Alvarenga, psicanalista, sociólogo e professor universitário.

 

 

 

 

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