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CCJ do Senado dá um ‘passa moleque’ no STF

Não adianta a população espernear e os adeptos do punitivismo desregrado tentarem mecanismos ilícitos com roupagem de legalidade, que continuará inconstitucional o início do cumprimento da pena com a confirmação pela segunda instância

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Em que pese o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha reconhecido a constitucionalidade espelhada do artigo 283 do Código de Processo Penal, que afasta o imediato cumprimento da pena com a condenação em segunda instância, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, em uma manobra pueril e populista, aprovou o Projeto de Lei da senadora Juíza Selma (Podemos-MT) – cassada na data de ontem pelo TSE por abuso de poder econômico nas eleições para o Senado em 2018 – estabelecendo a possibilidade da malsinada “prisão em segunda instância”.

O texto da senadora cassada altera, novamente, o constitucional artigo 283 do Código de Processo Penal, nos seguintes termos: “em decorrência de condenação criminal por órgão colegiado”. Novamente temos aqui uma evidente inconstitucionalidade por ofensa ao artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, o qual estabelece, em síntese, que o início do cumprimento da pena apenas pode ocorrer com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Dizer o contrário, quer por alteração do Código de Processo Penal ou por Emenda Constitucional, é ferir de morte a presunção de inocência.

Não adianta a população espernear e os adeptos do punitivismo desregrado tentarem mecanismos ilícitos com roupagem de legalidade, que continuará inconstitucional o início do cumprimento da pena com a confirmação pela segunda instância. Para que isso possa ser alterado há se ter uma nova constituinte eleita para tal fim.

 

Conforme a lição de Lênio Streck, “o legislador ordinário quer fazer como o ministro Fachin: quer interpretar a Constituição de acordo com a lei ordinária, moda que parece que vai pegar. O Brasil ainda vai mostrar ao mundo essa nova “técnica”, pela qual é possível mudar a Constituição via lei ordinária…!”. Ou seja, pretendem que a Constituição da República se ajoelhe ao Código de Processo Penal, não o inverso como deve ocorrer em todas as normas infraconstitucionais.

Alguns adeptos dessa aberração deflagrada na CCJ do Senado, encabeçada pela senadora Tabet, defendem que em outros países a prisão ocorre com a decisão da corte revisora (tribunais), mas esquecem os desavisados paladinos da moral e da justiça, que naqueles países existem previsões constitucionais para tal fim. Esquecem, ainda, que nos países mais desenvolvidos o sistema prisional não são as masmorras medievais que temos no Brasil, bem como se esquecem do elevado índice de reformas das decisões do Tribunais de Justiça e do TRF pelas Cortes Superiores brasileiras.

Temos que parar de tratar as questões de política criminal como conversas de botequim, não se afigura crível que a Suprema Corte do Brasil, em recentíssima decisão, com votos brilhantes e esclarecedores, seja jogada de escanteio, ou melhor, na latrina, para que seja acolhida a vox populi, a mesma que um dia culminou na morte de Jesus Cristo.

Não se pode esquecer que estamos a lidar com a liberdade das pessoas, que muitas vezes tem suas condenações revertidas parcialmente pelas Cortes Superiores, o que por si só seria suficiente para nem se pensar em tal atrocidade. Rui Barbosa brilhantemente pontua que “A injustiça, por ínfima que seja a criatura vitimada, revolta-me, transmuda-me, incendeia-me, roubando-me a tranquilidade e a estima pela vida”, imagina quando há injustiça no encarceramento?

Marcelo Aith é especialista em Direito Criminal e Direito Público e professor de Processo Penal da Escola Paulista de Direito

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