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A voz e a vez dos pobres: a Defensoria e população em situação de rua
Artigo escrito pelo Defensor Público, Júlio César Tanone

A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado e guardiã do acesso à justiça, a promoção e defesa dos direitos humanos, especialmente dos grupos vulnerabilizados.
Dentre as instituições públicas essenciais à função jurisdicional do Estado, inegavelmente foi a que mais experimentou redefinição e reafirmação pelo constituinte derivado, tendo a Emenda Constitucional 80/2014 reafirmado seu papel de instrumento de efetivação dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana, erigindo a Defensoria ao status de permanente e essencial, expressão e instrumento do regime democrático, com a promoção dos direitos humanos de forma individual e coletiva.
No estado de São Paulo, a Defensoria só foi instalada em 2006, após forte mobilização de mais de 400 entidades da sociedade civil. Desde então, a Defensoria tem se destacado como protagonista na defesa dos direitos das populações empobrecidas e marginalizadas, dentre elas a população em situação de rua, grupo historicamente invisibilizado.
Inspirada pelo compromisso constitucional e pelo humanismo, a Defensoria tem participado ativamente dos Conselhos de Direitos e outros espaços democráticos de deliberação e controle social, com destaque para o Comitê Intersetorial de Acompanhamento da População em Situação de Rua, criado em 2022.
Além da representação judicial, nossa atuação tem ido muito além da representação processual dos necessitados, promovendo ações de educação em direitos, articulando políticas públicas, convocando audiências públicas e apoiando e fiscalizando a implementação e aprimoramento dos serviços públicos, dentre eles a criação de acolhimentos dignos e a estruturação de serviços e protocolos que tem garantido internações de saúde mental seguras, áreas em que a vulnerabilidade se mostra mais aguda.
Com ações de escuta atenta e forte mobilização, temos nos dedicado a prevenir a violência institucional, até então, algo frequente nos relatos daqueles que vivem nas nossas ruas, e trabalhado para que o Estado não seja, ele próprio, agente de exclusão e opressão. Nesse sentido, destacamos o curso de formação promovido em outubro de 2022, voltado aos profissionais das forças de segurança pública, que alcançou 50 profissionais da Polícia Militar, Guarda Civil Municipal e Polícia Civil, com a construção de espaços de diálogo, de sensibilização e capacitação para o atendimento humanizado da população em situação de rua, com ênfase na prevenção da violência institucional e no respeito aos direitos humanos.
Temos destacado, ainda, a necessidade da implementação do programa “Moradia Primeiro” (Housing First), que propõe a oferta imediata de moradia digna como condição para a reconstrução da autonomia e da cidadania, invertendo a lógica tradicional dos abrigos temporários. Tal programa, exitoso em outras cidades do Brasil e mundo, a exemplo de Franca/SP, encontra previsão em diversa recomendações de organismos internacionais e nas demandas da sociedade civil.
Temos acompanhado com atenção os acalorados debates a respeito do local do Centro POP, sendo importante registrar que se trata de serviço essencial, previsto na Política Nacional para a População de Rua (Decreto Federal 7.053/2009) e na Tipificação dos Serviços Socioassistenciais, que precisa ser fortalecido e que, diante de sua peculiaridade, as diretrizes de instalação sugerem que seja implantado em local de fácil acesso e de maior concentração e trânsito das pessoas em situação de rua, que geralmente adotam as regiões centrais das cidades, como já confirmado no diagnóstico socioterritorial do município.
Nossa compreensão é a de que uma vez observadas tais diretrizes, tem o chefe do Poder Executivo local certa margem de discricionariedade para escolher a localização do serviço, sendo sempre recomendável buscar a compatibilização das necessárias acessibilidade e infraestrutura com a sensibilização da comunidade nos territórios onde será implantado.
Assim, além de uma instituição jurídica, a Defensoria seja conhecida como verdadeira trincheira de resistência democrática, um farol de esperança para os pobres e necessitados e, com ensinado por Boaventura de Sousa Santos, “não há justiça sem igualdade, nem igualdade sem justiça”. Que assim continue sendo, para que a cidade seja, de fato, de todos.
Júlio César Tanone, Defensor Público