Cidades
Condenação do assassino da médica Thallita repercute em todo o país
Davi Izaque Martins da Silva foi condenado a 31 anos e seis meses de prisão em regime fechado; Ministério Público e Polícia Civil revelaram comportamento manipulador e perverso do assassino

O Tribunal do Juri de Rio Preto condenou Davi Izaque Martins da Silva, de 29 anos, à pena máxima de 31 anos e seis meses de prisão, em regime fechado, pelo feminicídio da médica Thallita da Cruz Fernandes.
O julgamento de Davi (o monstro que tirou a vida de Tatá, como ela era carinhosamente chamada pelos familiares) teve repercussão nacional nos maiores sites de notícias e emissoras do país. O Ministério Público e a Polícia Civil revelaram o comportamento manipulador e perverso do assassino.
No dia 18 de agosto de 2023, Davi chegou em casa após uma longa madrugada regada a curtição com muita cocaína, bebidas alcoólicas e ecstasy. Ingeriu cerveja, pegou uma faca na cozinha e atacou covardemente a namorada, que estava dormindo em seu único dia de folga da semana. Thallita era médica plantonista e trabalhava na saúde pública de Bady Bassitt, na região de Rio Preto.
Após ser brutalmente assassinada, seu corpo foi colocado em uma mala. A intenção de Davi era desfazer-se dela, mas seu plano foi frustrado quando o zíper do acessório rasgou. Thallita foi deixada na área de serviço do apartamento alugado por ela, na Vila Imperial.
Ontem, o Tribunal do Juri realizado no Fórum de Rio Preto foi repleto de emoção. Nem a própria juíza da 5ª Vara Criminal, Gláucia Vespoli dos Santos Ramos de Oliveira, conseguiu se conter ao falar olhando nos olhos de Juliana Fernandes, mãe da vítima. Em seu depoimento como testemunha do caso, a empresária disse que, na época, se sentiu culpada pela morte da filha, pois foi ela quem começou a “abrir os olhos” de Thallita em relação aos abusos do namorado.
“De mãe para mãe, não é culpa da senhora. Nunca foi”, respondeu a magistrada, com a voz embargada.
Na sala, familiares e amigos usavam camisetas brancas com a estampa do rosto da vítima, com frases em memória de Thallita e contra o feminicídio. Uma grande manifestação feita por alunos da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp) — médicos residentes e amigos da vítima —, tomou a calçada em frente ao Fórum, com cartazes e faixas. Motoristas passavam pela rua buzinando em apoio ao protesto contra o feminicídio.
(Karol Granchi/ Gazeta de Rio Preto)
(Karol Granchi/ Gazeta de Rio Preto)
A acusação
Davi Izaque foi acusado pelo Ministério Público por homicídio qualificado por quatro agravantes (motivo torpe, meio cruel, meio que dificultou a defesa da vítima e crime cometido contra a mulher em razão do sexo feminino — feminicídio), além de tentativa de ocultação de cadáver.
(Karol Granchi/Gazeta de Rio Preto)
O promotor Dr. Horival Marques Oliveira Júnior trouxe revelações importantes à tribuna, como o teor das mensagens trocadas entre Davi e homens casados, além de outras mulheres.
“Quando a Thallita viajava, ele marcava encontros sexuais com homens no apartamento dela. Chamava um homem casado para ir lá e ter relação sexual com ele, e cobrava 150 reais. Levava amigos, mulheres, bebia e usava drogas lá dentro, na ausência dela”, afirmou.
“Ele se referia ao apartamento dela como ‘meu apê’. Quando ela viajou a São Paulo, ele levou amigos lá. Trocava mensagens chulas com homossexuais, ficava com outros homens e mulheres em troca de dinheiro. Também se relacionava com funcionárias do bar e mandava uma garota subir uma escada para dar beijos nele”, disse o delegado Alceu Lima de Oliveira Jr., que na época chefiava a Delegacia de Homicídios da Deic e coordenou toda a investigação.
Em seu depoimento, o delegado afirmou ainda que não acredita no arrependimento do condenado:
“No depoimento dele, quando foi preso, não demonstrou nenhuma empatia. Descreveu todos os detalhes do crime de forma fria, não parecia estar arrependido. Na minha opinião, o fato de ela ser plantonista era conveniente para ele, porque podia viver da forma que queria, à vontade.”
Mudança na versão
Em seu depoimento, Davi Izaque mudou a narrativa apresentada na Delegacia de Homicídios, já inserida nos autos do inquérito. Na tribuna, criou uma história fantasiosa, afirmando ter levado, da vítima, uma facada nas costas e um soco no rosto. Também recusou-se a responder perguntas importantes feitas pela juíza Gláucia Vespoli; uma delas foi sobre a localização do ferimento causado pelo suposto golpe de faca em seu corpo.
Davi ainda atentou contra a honra de Thallita, afirmando que ela mantinha relações levianas, era muito ciumenta e também fazia uso de entorpecentes — falas que foram completamente desmentidas pelos relatos de familiares, amigos e colegas de trabalho da médica.
(Karol Granchi/ Gazeta de Rio Preto)
A advogada Karen Requena, nomeada pela Defensoria Pública duas semanas antes do julgamento para defender o réu, argumentou em sua tese que Davi não tinha antecedentes criminais, nunca demonstrou sinais de violência com a família e, no dia do crime, estava sob efeito de drogas pesadas.
A jurista também afirmou que o réu se sentia inferior em relação à vítima, sempre visto como alguém “incapaz” de ser o provedor do relacionamento. Era Thallita quem pagava o aluguel e as contas da casa.
Karen Requena disse que vai recorrer da decisão judicial.
Thallita vive!
A condenação à pena máxima ao monstro que matou Thallita trouxe um pouco de paz e esperança ao coração de sua mãe, Juliana. Após a sentença proferida pela juíza Gláucia Vespoli, o local foi tomado por grande comoção e aplausos.
(Na foto, a mãe de Thallita, Juliana Fernandes, sorri após a sentença máxima dada ao assassino de sua filha. Ao lado, sua mãe e seu filho caçula. Foto: Karol Granchi/ Gazeta de Rio Preto)
“Nada traz ela de volta, a dor nunca vai passar. O nosso sorriso sempre vai ser diferente, mas eu acreditava que tinha que mudar, porque muita gente chegou em mim e falou que não daria em nada. E eu, desde sempre, desde as primeiras conversas com o promotor, pensava comigo: ‘Não, a Thallita não aceitava qualquer coisa!’. Os discursos dos amigos diziam que ela queria tudo perfeito. Se naquele dia eu não consegui ajudar minha filha, agora eu vou fazer tudo, e eu tinha certeza… Hoje eu falei que ia ser diferente, que talvez a Thallita começasse a mudar o que a gente viu até hoje; que o que aconteceu com ela seria diferente, teria justiça. Se tivesse acontecido comigo, ela estaria no mesmo lugar que eu. Então, acho que ela faria tudo para mudar. Achamos uma postagem dela em 2017 que dizia ‘minha vulnerabilidade não é a sua oportunidade’, que eu não tinha visto antes. Então, ela já estava nessa luta. Talvez, teve que acontecer tudo isso para mudar… A gente nunca mais vai ser o mesmo, mas ela tinha um propósito com isso, e eu acredito que vai mudar a partir de hoje. Eu falo que não estou fazendo só por ela, estou fazendo por todas as mulheres, amigas dela; muitas passam por isso e às vezes não percebem, assim como ela, e eu acho que vai mudar! Thallita vive!”, disse a empresária.
(A médica Thallita da Cruz Fernandes, vítima de feminicídio aos 28 anos, em Rio Preto)