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Armas, drogas e até macacos: Comando Vermelho vende tudo pelo WhatsApp
Reportagem acompanhou grupos do WhatsApp que são usados para comércio entre membros da segunda maior facção do Brasil

Em meio a uma chuva de ofertas num grupo de WhatsApp que vão de Ipad Pro a R$ 6,5 mil até uma motocicleta Kawasaki Ninja 650 cilindradas por R$ 8 mil, um membro posta a seguinte mensagem: “Macaco prego fêmea super mansa muito dócil precinho pra sair hoje 3mil”. Logo depois, outro usuário oferece uma submetralhadora GHK Calibre 40 e uma pistola 9mm com kit rajada e lata de Glock. Total? R$ 12 mil. E novas mensagens não param de chegar no grupo Monopólio RJ Venda de Tudo. A Agência Pública teve acesso ao grupo de WhatsApp e a outros três similares nos quais são vendidos armas, animais, celulares e veículos.
A reportagem apurou que administradores e membros do grupo estariam ligados à segunda maior facção criminosa do Brasil, o Comando Vermelho (CV).
Usados como verdadeiras plataformas informais de compra, troca e venda, esses espaços têm de tudo um pouco e um pouco de tudo. A reportagem ficou meses nos grupos, que recebem centenas de publicações por dia, e conseguiu descobrir um pouco como funciona o comércio informal da organização. Os números e nomes dos usuários foram censurados por segurança.
As dinâmicas e ordens do comércio informal
Em um dia, aproximadamente 22% das ofertas de venda do maior grupo deles, que tem mais de 400 usuários, eram relacionadas a celulares, 20% a armas e munições e 18% a drogas como maconha e cocaína pura (conhecida como escama de peixe). Vendas ou pedidos de carros e motos chegam a 18% dos anúncios. Há também anúncios de ar-condicionado, Cytotec (que é usado para induzir aborto) e Ozempic. Junto a tudo isso, a venda de filhotes de macaco. A ação configura crime ambiental, como estipulado no artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais. Tudo é ofertado ao mesmo tempo, de forma caótica.
Nos grupos, há até venda de filhotes de macaco-prego, o que configura crime ambiental
O objetivo inicial do grupo Monopólio RJ Venda de Tudo, segundo usuários que se apresentam como lideranças, era de que pessoas envolvidas pudessem fazer suas negociações em paz, num ambiente seguro e monitorado. Todavia o grupo se expandiu e hoje as negociações incluem tentativas de golpe, ofertas de produtos que não existem e pedidos de dinheiro.
Cecília Oliveira, jornalista e diretora-executiva do Instituto Fogo Cruzado, comenta que esse tipo de grupo de WhatsApp é mais usado por membros de facções criminosas que ocupam posições menores na hierarquia. “Este é o jeito mais rápido e prático de se comunicar e mesmo havendo outras possibilidades, como o radinho, o zap tem outro alcance e possibilidade de comunicação. Porém, quanto maior a posição na hierarquia, maior o cuidado e menor o acesso, inclusive para membros do grupo.”
Em uma troca de áudios, algumas pessoas que se posicionam como sendo mais experientes dentro do Comando Vermelho apontam que o grupo está muito maior do que deveria, e que deve ter ali ‘alemão’ (gíria para designar pessoas de facções inimigas), policiais e todo tipo de infiltrado e que, portanto, era necessário manter um comportamento mais precavido e realizar as transações econômicas apenas pessoalmente e no “quadrado”.
O “quadrado”, segundo a reportagem apurou, é um tipo de zona franca do tráfico que existe em quase toda favela de maior porte. Nesse local, traficantes da facção ou aliados de diferentes favelas se encontram para negociar drogas, armas e carros sem medo de sofrerem emboscadas ou invasões policiais. Penha, Alemão, Jacarezinho, Salgueiro (São Gonçalo), todas essas favelas tem seu “quadrado”, que normalmente é localizado em alguma quadra esportiva no miolo da comunidade, onde ninguém entra ou sai de supetão e onde qualquer tentativa de passar a perna numa transação pode ser resolvida na hora mesmo, na base da bala.
“O que garante, na verdade, a segurança para essas transações é o fato delas ocorrerem dentro do território deles”, aponta Carolina Grillo, pesquisadora do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da UFF (GENI). Ela vê o WhatsApp como um facilitador dessas transações.